LENDAS DO DOURO – LENDA DA POVOAÇÃO DE AGAREZ
Agarez é uma risonha e soalheira aldeia, alcandorada nas faldas da Serra do Alvão, a oito quilómetros, aproximadamente, de Vila Real. Foi notável pelo artesanato do linho que os seus moradores cultivavam, teciam e bordavam primorosamente. A imaginação que ajudou a criar os caprichosos desenhos dos seus bordados ajudou também a criar a curiosa lenda que nos explica a sua génese. Em tempos muito remotos, no mesmo lugar em que se encontra o atual povo de Agarez, havia um outro chamado Aragonês, nome que lhe fora dado pelos seus fundadores, originários do Reino de Aragão. Vindos de Aragão Quando estes lá chegaram, construíram as primeiras casas e começaram a surribar as terras arenosas e a cultivar o milho que era o prato forte da sua alimentação. Um dia, no decorrer desta faina, encontraram, com espanto e alegria, um largo filão de oiro que parecia não ter fim. Abandonaram logo os trabalhos agrícolas para se entregarem, com avidez, à exploração do precioso metal que iam amontoando nos canastros do milho. Depois de terem enchido os canastros, entenderam que era muito arriscado guardar ali tão valioso tesoiro e decidiram levá-lo para a serra e escondê-lo debaixo da areia. Fizeram, para isso, grandes dunas, com galerias interiores, e trataram de o transportar para lá em carros de bois. Encontro com o diabo… Quando andavam naquela freima, passou lá o Diabo que, ouvindo o estridente chiar dos carros, se aproximou, curioso, e parou, agachado atrás dos arbustos. Arregalou bem os olhos e pôs-se à escuta: – E se alguém descobre o oiro? — pergunta um. – O Diabo seja surdo — respondem os outros em coro. – E se alguma enxurrada leva a areia? — lembra outro. – Cruzes, Canhoto, vociferam os restantes. – Não, se Deus quiser, não vai acontecer nada disto — concordaram todos. Perdem-se as pepitas Neste comenos, um dos sacos rompeu-se e as pepitas espalharam-se pela encosta. – Rais part’ó Diabo! — praguejou alguém. Ao ouvir isto, o Diabo afinou, perdeu a paciência e não quis ouvir mais. Furioso, jurou vingar-se daqueles títeres desprezíveis que o infernizavam com alcunhas e pragas, e, ainda por cima, eram cristãos. A espumar de raiva, deitando lume pelos olhos, com o rabo entre as pernas, esgueirou-se, sorrateiramente, para não ser notado, a cogitar na maneira de pôr em prática o seu propósito de vingança. – Haviam de pagar, e com língua de palmo, o atrevimento, ou ele deixaria de ser Diabo. Penaguião entra na história Então, lembrou-se de que, lá para os lados de Penaguião, havia uma terra chamada Mafómedes, cujos habitantes seguiam a lei de Mafoma e eram, por isso, inimigos figadais dos cristãos. Estugou o passo e para lá se dirigiu, sem perda de tempo. Com a promessa de lhes entregar um fabuloso tesoiro, facilmente convenceu os Mouros a acompanhá-lo. Com o Diabo na dianteira, armados até aos dentes, transpuseram, pela calada da noite, os desfiladeiros do Marão e chegaram a Aragonês, antes do dealbar, quando os Aragoneses dormiam, ainda, a sono solto. Sem encontrar resistência, mataram todos os cristãos e destruíram-lhes todas as casas. Ao romper da manhã, dirigiram-se para o local das dunas à procura do oiro escondido. Mas, quando começaram a revolver a areia que o cobria, um forte abalo sacudiu a encosta e fez rolar, lá do alto do Alvão, uma cordilheira de penedos que os esmagaram e soterraram, com armas e bagagens. Daquela hecatombe, escapou apenas o Diabo, que deu às de Vila Diogo, sem mais aquelas, e um casal mouro que aí se fixou e reconstruiu a povoação à qual deu o nome de Agarez, em memória da sua ascendente Agar, a famosa escrava de Abraão, que deu origem aos Agarenos, seus correligionários. Atualmente Os habitantes da nova povoação passaram a dedicar-se à cultura do linho com o qual teciam e bordavam maravilhosos lençóis, cobertas e toalhas. Uma arte que os tornou conhecidos e que ainda hoje perdura, embora em menor escala. É de lá que vêm as cobiçadas peças de linho que embelezam e valorizam a tradicional feira de São Pedro, a vinte e nove de Junho, em Vila Real. É esse o seu oiro verdadeiro, porque o outro, esse lá continua, inacessível, debaixo dos impenetráveis penedos, bem guardado pelo Génio da Montanha!
Fonte: Literatura de Trás-os-Montes e Alto Douro, por Joaquim Alves Ferreira (5 volumes)